“Não sei o que há de errado comigo.” Essa é uma frase recorrente na clínica, mas será que é mesmo no indivíduo que reside o problema? Ou será que estamos pedindo que as pessoas se ajustem a um contexto que adoece? A análise do comportamento nos ensina que o sofrimento tem sentido no contexto, pois nenhum comportamento — inclusive o sofrimento — ocorre no vácuo ou é isolado.
O comportamento ocorre em função de um contexto ambiental. E quando esse ambiente se torna coercitivo, punitivo, imprevisível ou excessivamente exigente, é esperado que o organismo responda com ansiedade, tristeza, evitação, fuga, fadiga. Vivemos em uma sociedade que reforça constantemente a produtividade, a comparação, o controle da emoção e a busca por padrões idealizados de sucesso e felicidade.
Nesse cenário, o sofrimento não é um erro interno, mas uma resposta coerente a contingências que muitas vezes são aversivas e desumanizantes. Na clínica, não patologizamos o sofrimento. O que chamamos de “sintomas” são comportamentos funcionais, que têm uma história: foram aprendidos e reforçados, moldados por contextos específicos — e, muitas vezes, continuam sendo mantidos por esquemas culturais rígidos.
A ansiedade pode ser uma tentativa de prever e controlar um ambiente instável.
A evitação (esquiva) e a fuga podem ser uma forma aprendida de lidar com punições ou ameaças de punições (coerção) constantes em um determinado ambiente.
O que sua dor está tentando te dizer?
Quando olhamos para o sofrimento como comportamento, podemos perguntar: qual a função dele? O que está sendo evitado, o que está sendo reforçado, o que está sendo aprendido ou mantido? Em vez de pensar em “eliminar sintomas”, buscamos compreender o que eles comunicam. A ansiedade pode ser uma tentativa de controlar um mundo que parece incontrolável. A procrastinação pode ser uma forma de evitar críticas ou fracassos. O cansaço pode ser o reflexo de viver sob reforçamento intermitente ou punição constante. O sofrimento não é falha pessoal. É, muitas vezes, uma forma aprendida e coerente de sobreviver num sistema que exige demais e devolve pouco.
Flexibilidade e contato com os valores como alternativa
A terapia comportamental-contextual (como a ACT — Terapia de Aceitação e Compromisso, ou o FAP — Psicoterapia Analítica Funcional) propõe algo diferente:
em vez de eliminar emoções desconfortáveis, buscamos ampliar a flexibilidade para lidar com elas. Em outras palavras, você pode sentir medo e ainda assim agir com coragem. Pode sentir dor e, mesmo assim, seguir em direção ao que importa. A mudança não se baseia em “pensar positivo”, mas em aprender a responder de forma mais rica, consciente e voluntária aos contextos que nos cercam.
Parte essencial do nosso trabalho é ajudar o paciente a se reconectar com seus valores — aquilo que realmente importa para cada pessoa, além de reforços sociais imediatos. Muitas vezes, os sintomas surgem ou se agravam quando há distância entre os comportamentos atuais e os valores pessoais. Como o sofrimento tem sentido no contexto, essa reconexão não é simples. Ela exige abrir espaço para o desconforto, reconhecer padrões, tolerar o que não pode ser mudado — e, ao mesmo tempo, agir.